Foi quando o Sol raiava alto, demonstrando todo o seu esplendor, e que dia maravilhoso para passear, totalmente inesperado, te vi, separado por um vidro a olhar para mim, pequeno qual ervilha, desenfreado a correr contra a parede transparente como se visses em mim uma salvação daquele sítio escuro e com mil olhos. Apaixonei-me, talvez não pela beleza da tua figura que nunca tinha visto, não pelas formas como, um animal como tu possuía, raro entre o reino animal, réptil, pré-histórico, mas pela forma como me querias, pela forma como te queria. Sem hesitação te trouxe, um amor sem igual apenas em troca de notas, dinheiro que não me dão afecto algum, mas que me ajudaram a ter-te, como um filho. Receoso, estavas, nervoso, sem dúvida, excitado, estava, de sorriso estúpido na cara, parecia parvo, mas feliz. Sempre feliz. Muito passou, muito passámos, sempre juntos, dois anos sozinhos, contigo, a minha companhia, dia, noite, em dias de tempestade, em passeios ao sol, quente, pelas noites rigorosas do inverno em que te aquecia para ficares bem. Vi-te passar por aquela fase má, em que estavas doente, e eu sempre preocupado, sempre cuidadoso, foi difícil, mas passou, e voltámos ao que era. Cresceste, tornaste-te num dragão, num macho de fazer inveja a qualquer um, exibias a tua barba rija perante os perigos e corrias, corrias, corrias, não havia limites, e eu ria-me e seguia-te. Deixámos a solidão, e voltámos para junto da família, todos te gabavam, todos te adoravam, eras tu e o círculo que te rodeava, sempre no meio de tudo. Todos queriam tratar-te, da maneira como eu te tratava, e o orgulho? Todo eu o transpirava. Infelizmente, deixei-te, e pairou uma nuvem negra, tão negra que nem a luz do amor que sentia por ti nos iluminava, via-te pouco, notícias diziam que não estavas bem, desde que te deixei que não comias, que estavas triste, deprimido, e assim estava eu, separados, mas juntos, quando te visitava, eras outro, eu era outro. Entretanto passou, mais uma fase, quando regressei, estavas a dormir, e dormias, descansavas, o mundo passava por ti sem lhe dares interesse, estavas rendido à hibernação. Sempre junto a ti, todas as manhãs, todas as noites, apesar de normal, a preocupação reinava o meu coração, receoso agora estava eu enquanto tu, vivias no teu mundo pequeno, reagindo pouco ao meu toque, ao meu carinho. Peguei-te, abracei-te e beijei-te, até amanhã uma vez mais. Mas o amanhã não chegou, olhaste-me sem vida, erecto, não foi o mundo que passou por ti, foi a vida, cedo demais ela te deixou para outras paragens. Num frenesim de imagens e recordações, transbordaram, em forma de lágrimas desaparecendo na memória à medida que tocavam no chão, o mesmo chão em que passeavas e corrias na brincadeira. Dois anos depois deixas-me, sem culpa, desculpa se te falhei, mas ainda que novo, tornaste-te no Dragão que eu sonhei naquele dia que te vi, separados pela parede de vidro, ainda assim, imaginei-te com asas, fruto da imaginação fértil que tenho, e mesmo sem asas, voaste, voaste no meu coração e agora que partiste, sem asas, vives no meu coração, sem asas, vives na minha memória, toco no meu peito onde tantas vezes dormiste, e te agarraste e choro, porque sem asas, foste aquilo que eu imaginei, criei e amei.